domingo, 14 de abril de 2013

Morte e Vida Severina... Ou Citadina

Um nordestino faz a vida numa cidade grande qualquer, do Sul, Sudeste, ou até mesmo Centro-Oeste. Não, não é um retirante que agonizou numa seca e miséria generalizadas, para agora agonizar numa abundância nenhum pouco igualitária. É um nordestino de capital (ou até mesmo não), que nunca desconheceu a qualidade de vida, que frequentou o litoral, que privilégios desfrutou, que estudou, se formou... mas que como vários brasileiros ou estrangeiros, para outra cidade se mudou. E que também é vítima de preconceito, como se sua origem fosse seu carma, sua sina e sinônimo de inferior.
Então, seu sotaque, suas gírias pitorescas, seus trejeitos, ainda preservados não enganam - não que ele quisesse enganar -, e o faz ser abordado por um sujeito nativo do local:
- Então você é do Nordeste?
- Sim, eu sou. Sou eu.
- Então me satisfaça uma curiosidade: é verdade que lá quando chove, o pessoal abre a boca para cima, pra  tomar a água da chuva? - desdenha o outro, rindo
- Pode até ser que isso aconteça no sertão sofrido, mas jamais abatido. De onde eu venho o máximo de castigo que o sol nos dá é um calor da gota serena, vou te contar, que com a UMIDADE da maresia, faz o cabra suar sem parar.
- Uhum, sei... - ainda sem conter o maldito riso 
- Mas não vejo nada de mal nesse gesto simbólico e singelo, pelo contrário: o acho belo. Ainda mais uma vez que não há chuva ácida que corroa, advindo do nosso céu límpido, sendo que o que corrói o povo é a seca. Ainda por cima que se pode correr livremente sob a chuva sem temer uma rajada de balas, o julgamento alheio, ou um atropelamento.
- Mas...
- E acho belo também que o povo faz poesia do próprio sofrimento. Enquanto aqui se faz piada, dos seus sofridos ou dos dos outros. Falam do nordestino, mas por que não olham pro próprio umbigo? Ou melhor: por que não olham ao redor?
- Pô, meu...
- Pois o sertanejo consegue ser feliz na simplicidade. Os citadinos acham que o que vale é alimentar a vaidade. Sempre querem mais, e quem tá ao lado também acaba querendo mais. Não apreciam o quão a vida simples é bela. Mas como pode? Pra esse povo despejado, ignorado, em subúrbio ou favela...
- Cara...
- Cara, digo eu: cara, o excluído de vocês também é gente. Gente que tem desejo. De comprar, de fazer parte, de fazer jus ao fato de estar sob regime desse capitalismo selvagem, de ser, de ter, de aparecer, de parecer. Mas quem pode pode, e quem não pode se sacode, não é mesmo? Então eles matam, roubam, sequestram, se prostituem, traficam, mendigam...
- Ér...
- Porque aqui ninguém aprende a ser feliz com um sorriso. Com a aurora ou o com o pôr-do-sol. Com um bom livro ou um bom filme. Com uma comidinha caseira feita por alguém que se gosta, ou até mesmo por você, sendo o mérito teu. Com o cair da chuva. Espalhando o verde não só da vegetação, mas o da esperança, quiça de um novo aeon!
- Mas isso é coisa de quem se contenta com pouco, coisa de quem não tem nada!
- Não, isso é coisa de quem manja da arte de viver... Que extrai algo desse nada, de quem alivia o sofrer. E vocês, que são tão exigentes e ainda assim alienados? Tiveram educação e são letrados, têm acesso à cultura, e ainda assim são ludibriados? No meio de todo esse bombardeio, se tornaram cegos. Os que mais deveriam, esqueceram de usar o cérebro.
- Bom...
- Bom nada, nada bom! Tome nota, seu moço, que o problema não é só daqueles que vivem à margem da sociedade. É daqueles que estão "in" também. Não que os excluídos sejam o problema dos incluídos. Porque os incluídos não precisam dos excluídos estarem com uma arma na mão pedindo que passe a grana, para ser violentado. Para ser assaltado. Para ser assassinado, a cada dia.
- Foi mal, mano. Na moral. Eu só tava de zoa...
- É tudo que vocês sabem dizer. O pior é que se dizem tão cosmopolitas... Tão grande, mas cabe pouco. Aceitam tudo, mas zombam do meu "Ó XENTE", querem mais ideias, mas não aceitam gente. E se eu falar das "viadagens" que são mais aceitas por aqui? Então eu sou um nordestino, um paraíba, um baianinho comedor de farinha, um jeca, um caipira, um cabeça-pequena conservador? Não discordo, claro que sou! Pois preconceito gera preconceito. E é por isso que não culpo, por exemplo, o paulistano pela discriminação. Também podia ser o carioca, o gaúcho, o mineiro, o brasiliense...
- Ainda bem que você sabe, mano.
- E é isso, meu camarada, que digo que se solte, não se prende. Vocês conhecem tudo, e ainda tem o conceito de "o tal"? É tudo igual, e simultaneamente diferente. Ser assim é normal, ó xente!

- É, já vi... uns têm o pão de cada dia; para outros só resta é o leão de cada dia, que no fundo todos temos. E às vezes mais que o pão nem merecemos.
  
    - Júlia S.






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